quinta-feira, março 29, 2012

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

O QUE FAZ ENTÃO A DILMA? 

Enéas de Souza
29 03 2012


1) Ora, Dilma está nadando num oceano inóspito, tentando articular vários níveis de ação. E percebe uma paisagem internacional complexa e ameaçadora. O que Dilma enfrenta é um capitalismo em processo de mutação, de contornos absolutamente indefinidos. Para onde ele vai ninguém sabe, só se advinha, só se intui. Tudo existe em esboço, tudo existe nas tendências, que, muitas vezes, mal se enxergam. Claro, o mundo se move, mas é como aquele filme de Hitchcock, “Um barco e nove destinos”, onde um bote de náufragos tenta encontrar um navio que os salve ou uma improvável costa para aportar. E os participantes desse barco, no mar contemporâneo, são variados e estruturais: uma crise das finanças, uma crise da produção, uma crise de Estados, uma crise social importante em muitos lugares, uma ameaça no comércio mundial das nações. Num certo sentido, o Brasil está bem. E está bem porque Dilma tem uma política, um norte, que se faz com dificuldades, e, no entanto, está se fazendo e está se construindo. E essa política é a busca de colocar o Brasil em vantagem, superando os soluços e as convulsões da crise.

2) Dilma tem procurado fazer até agora uma transformação estratégica no Estado brasileiro. Manobra na direção de dar-lhe uma unidade, para que tenha condições de encarar o leão da crise que saiu da jaula e está, há bastante tempo, nas ruas. Assim, toda a luta, no pós-tucanato neoliberal, visa à construção de uma nova política econômica, que deve ser a mais consistente possível num ambiente de antagonismos inquietantes. Significa, então, a imperiosidade de renovação das estruturas financeiras, produtivas e mesmo estatais da economia mundial. É o barco de náufragos que começa a enxergar o continente.

3) Qual é o jogo da Dilma? Pela primeira vez na história do Estado brasileiro dos últimos tempos, o presidente – no caso, a presidente – centraliza tanto a concepção da estratégia nacional como a definição de uma política econômica. Com essa postura, dá sinais evidentes da importância do momento. Ou seja, neste instante da ópera, a ária da questão da política econômica é tão decisiva que a presidente avoca a si a centralidade da concepção. E mesmo parte da execução. Uma dos maiores obstáculos é exatamente dar unidade a essa política, pois ela está se fazendo a quente, no calor da hora – a ebulição se exibindo – com contradições evidentes entre integrantes inclusive do mesmo lado. Ninguém sabe qual a trilha por onde vai se encaminhar o desmanche do que já era e os canteiros de obras da construção do mundo presente-futuro.

4) A Dilma, em minha opinião, percebe que a oportunidade para o Brasil está na ancoragem no porto do novo padrão de acumulação que vai se desenrolar, se estender e se ampliar nos próximos anos. Padrão baseado nas novas tecnologias de comunicação e informação, nos novos materiais, na biotecnologia, mas que tem outros pontos, outras camadas, como as da infraestrutura energética e alimentar, por exemplo, que também estão em processo de se materializar. Faz parte da visão brasileira a ordenação e a organização das atividades produtivas do Brasil para que o país possa, de fato, andar com certo destaque na nova carruagem.

5) O que é que faz, então, a Dilma? Primeiramente, o que disse acima, concebe e passa a executar uma política econômica de preparação para integrar esse novo padrão. Então, essa unidade da política econômica tem um ponto novo, peculiar, que se centra na presidência, mas que está apoiada pela Fazenda e pelo Banco Central. E aí está a grande conquista da presidente. Foi conseguir somar ao triunfo do governo Lula, de trazer a Fazenda para o lado da presidência, o alinhamento do Banco Central a uma política de Estado. Porque como falamos sempre, na hegemonia do capitalismo financeiro, o Estado nacional foi cindido numa parte econômica (geralmente, Fazenda e Banco Central) e num agregado dos demais Ministérios. Essa forma definia o modo de dominação das Finanças internacionais e dos bancos nativos. Detendo o controle do Estado, eles reduziam a política econômica global a uma política econômica restrita. Ou seja, abandonavam a política industrial, a política agrícola, a política trabalhista, as política sociais, etc., se dedicando apenas ao quarteto adorado das Finanças: política monetária, política cambial, política financeira e política fiscal. O Brasil começou lentamente a resgatar uma política econômica coerente e unitária que tende a ser tornar novamente global.

6) O jogo da Dilma, após conseguir uma unidade nuclear do governo em torno da Presidência, canalizou e conduziu a sua política e a sua estratégia econômica para a sustentação de três setores fundamentais. Energia, mineração e produtos agrícolas. Dito de outra maneira: Petrobrás, Vale e agrobusiness. É isso que constitui a base fundamental da política econômica do Brasil, porque é quem vai dar a integração nacional no contexto desse novo padrão de acumulação. É sobre a trindade em pauta que se fará a rede econômica do futuro do país.

7) Pois, o jogo da Dilma passa por essa integração. E ao trazer, em 2006, a Petrobrás para o centro estratégico do governo, a presidente – na época, chefe da Casa Civil – já tinha a ideia de fazer uma remodelação da estrutura industrial brasileira. Com isso, dava dois sinais: estender a inserção da petroleira nacional no espaço da mundialização e usar a Petrobrás, através de sua da cadeia produtiva, como motor da estrutura da produção do país. Porque ela movimenta fortemente a indústria, mas afeta também a agricultura. A concepção parte da ideia de inscrever a Petrobrás (veja-se a abundância que vai ser o pré-sal) no padrão de acumulação novo, mas, ao mesmo tempo, formar com ela um bloco de capital que organizaria uma grande parte da dinâmica da economia brasileira. Claro que essa articulação vai adiante, enlaça o encadeamento de indústrias de sondas, navios, plataformas, etc. Mas, não pára aí, não. Requer a renovação da infra-estrutura brasileira de transportes, estradas, portos, armazenagens, etc. Ora, com isso movimenta também o setor da construção civil. E funde essas demandas com outras demandas que surgem da realização da Copa do Mundo e das Olimpiadas, onde também se incluiria a questão dos aeroportos. O conjunto avulta, cresce, evidencia uma metamorfose na economia brasileira.

8) Está se reorganizando, com toda a precariedade, com toda a disputa, com toda crítica, etc., uma tentativa de formar um segundo polo dinâmico de acumulação do país. Claro que nesse itinerário da construção civil, estaria incluída uma outra área que não poderia deixar de estar, a construção habitacional, com o “Minha Casa, Minha Vida”. Naturalmente, um alargamento da moradia para a população brasileira. E nisso tudo temos um pouco da herança do Juscelino Kubitschek, o processo de acumulação em torno de dois polos: energia e construção civil.

9) Cabe entender que, para apoiar esse conjunto, o governo armaria o funcionamento de uma estrutura de financiamento partindo do orçamento público e dos bancos estatais (BNDES, Caixa e Banco do Brasil), que estaria forçando o crédito à produção, e financiando o longo prazo. Voltaríamos a um projeto de desenvolvimento, onde o investimento estaria sendo sublinhado como o elo entre o presente e o futuro. E o emprego iria, e já está indo, no bojo dessa caravana, dessa expansão.

PARÊNTESE CAMBIAL

O maior problema para o Brasil, ao menos no plano imediato, é exatamente a questão da taxa livre de câmbio e da taxa de juros. Num certo sentido, a política econômica do Brasil está caminhando para um câmbio sim, valorizado, mas se adaptando tanto a exigência de entrada de capital, como as necessidades de investimentos externos e de movimentos competitivos da indústria nacional. É uma sintonia fina. Claro que temos o efeito chamado de “desindustrialização”, clamado por algumas empresas de todo os setores, sejam de bens de consumo não-durável, sejam de bens de cosumo durável, seja de bens de capital da indústria. E aqui o jogo é complexo também, pois há que ver que temos duas vertentes, uma que precisa do câmbio para se ajustar às novas condições de competição financeira e produtiva mundial, e outra, que precisa do câmbio para se proteger da concorrência internacional. Isto sem contar as exigências do setor financeiro nacional. A saída tem sido, em grande parte, ir lentamente mudando a taxa de câmbio e realizar uma série de medidas fiscais, aduaneiras e mesmo legislativas, que possibilitem uma melhoria da concorrência das empresas nacionais. Não tem sido suficiente até agora, principalmente porque o nível de competição das indústrias brasileiras não é de ponta.

A TECNOLOGIA DO PADRÃO

Ora, isso nos encaminha para a questão tecnológica. O Brasil não é um país de vanguarda nas inovações nem na introdução da tecnologia na estrutura produtiva. Claro que temos empresas em boas condições, veja-se a própria Petrobrás. Temos nas universidades alguns nichos de bom e até grande nível. Mas não somos protagonistas, atores de envergadura nesses episódios. Ou seja, a liderança do processo tecnológico não está ao nosso alcance. O que não quer dizer que ela deve ser abandona. Há algumas boas fichas para se apostar nela.

TEMA FINAL

Então, queria colocar um tema final. Hoje, a política econômica brasileira tem que estar pensando nas mudanças do padrão da economia mundial para organizar as suas próprias mudanças. E embora a defesa do nacional é importante e decisiva, não basta ser somente nacionalista para se posicionar no quadro atual da economia. Há que pensar o dentro e o fora do país, a economia mundializada em itinerário, em alterações, e os possíveis reflexos disto na parte interna da nossa atividade econômica.

Resumindo, o que Dilma está falando à nação, aos empresários, aos trabalhadores é o seguinte: 1) precisamos, cada vez mais, de um Estado coeso e unitário, depois de termos tido um Estado esquartejado; 2) precisamos nos juntar à construção do novo padrão, que passará por uma mudança na relação das órbitas produtivas e financeiras; 3) precisamos dessa situação para desenhar uma estratégia nacional; inclusive a de defesa da nossa industrialização; 4) precisamos reorganizar a economia brasileira com base na Petrobrás e sua cadeia produtiva, mas inscrevendo no país numa transformação da infraestrutura pública, construindo um segundo pólo dinâmico, que será a indústria da construção civil; 5) precisamos perceber que o processo que tem que estar em pauta constantemente e que não há um rumo preciso, as coisas estão indeterminadas; 6) precisamos estar preparados no conflito dos capitais e dos Estados dentro de um quadro de uma economia chamada de “livre mercado”, mas que pode passar rapidamente para um protecionismo intenso (liquidez que fazem os Estados Unidos, a Europa ou a China, com o seu câmbio atrelado ao dólar, empurram o mundo nessa direção); 7) precisamos notar que o novo padrão de acumulação exige além de empresas para a base da economia, como energia, mineração, produtos agrícolas, requer corporações que liderarão o padrão por causa de negociarem com alta tecnologia. Neste ponto, estamos fora; 8) precisamos, a despeito da nossa fraqueza estrutural, de uma política de ciência e tecnologia.

Dilma, então, está nos dizendo que o capitalismo mudou, que ele está em andamento, que o Brasil tem política econômica para tal, mas que apesar do horizonte aparecer claro, nuvens podem toldar o clima. No entanto, há uma ideia de que está em marcha um processo de grande transformação do mundo e do Brasil. O tempo dessa mudança não tem definição, mas tudo isso vai se desenvolver intensamente nesta década, quem sabe se completando nos dez anos posteriores. O filme, que continua trepidante e cheio de dramas e percalços e adversidades, pode ser perigoso e doloroso, mas não será sem emoções. Estamos num processo de alta concorrência, num processo de concentração e centralização de capital. No meio dessas nuvens de pó, muitos capitais e muitos setores vão sofrer baixas, isso é inevitável. Mas, como diz meu amigo André Scherer, os capitais podem mudar de ramo e o trabalho também. O que significa isso? Que o dinamismo da economia brasileira pode ser mais contundente do que as quedas, embora as fricções possam causar escoriações e complicações temporárias, seja aos capitais, seja ao emprego.

Como nos antigos melodramas históricos, o filme que estamos vivendo, também poderia se chamar: Dilma na cova da energia, dos chips e dos leões.

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