quarta-feira, setembro 30, 2009

CRSISE FINANCEIRA MUNDIAL: Unexpectedly...

Incrível como em todos os dias dessa semana ocorreu alguma coisa desfavorável "unexpectedly"... Ao menos no entender da mídia mainstream, em especial da Bloomberg... Hoje foi a vez do PMI Chicago, que indica intenções de gastos das empresas, e que mostrou uma contração ao invés da expansão esperada, e também do aumento do desemprego registrado pela ADP (254000 novos desempregados contra 200.000 esperados). Mas ontem era a "confiança do consumidor" que "unexpectedly", veio abaixo do previsto. E assim segue a "recuperação" da economia norte-americana.

A grande pergunta é : unexpectedly pra quem? O Econobrasil aposta na estagnação da economia dos EUA, ao menos até o momento.

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segunda-feira, setembro 28, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: O problema dos desequilíbrios globais

Sem surpresa, a agenda durante a reunião do G-20 foi deslocada do tema da reforma e regulação do sistema financeiro mundial (que não interessava aos EUA) para a questão da redução dos desequilíbrios globais (que interessam à economia norte-americana).

Nesse sentido, vale a pna dar uma olhada nos dois capítulos disponíveis até o momento do recém lançado Global Financial Stability Report do FMI. O capítulo II relatório traz uma defesa intransigente dos benefícios da securitização, enquanto o terceiro capítulo aponta para os riscos que as massivas intervenções governamentais podem colocar para a estabilidade futura da economia mundial. Ou seja, afinadíssimo com o discurso anglo-saxão, uma vez que o deslocamento da questão em direção aos desequilíbrios globais interessa também ao Reino Unido na tentativa de preservação do espaço privilegiado ocupado pela City londrina no mundo financeiro europeu.

O especialista em finanças internacionais Brad Setser, agora atuando como negociador pelo lado do governo norte-americano, também teceu loas a abordagem da questão pelo G-20. Ou seja, que os superavitários gastem mais para compensarem a queda na demanda norte-americana e reequilibrem economia global. Falta apenas convencer Japão, Alemanha e China...

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quinta-feira, setembro 24, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Esperem mais, não menos protecionismo

Os idealistas econômicos mundiais estão descobrindo agora aquilo que vimos alertando faz bastante tempo: a economia é política, os movimentos são do capital e não dos homens e na crise faz sentido aos debilitados capitais espalhados pelo mundo buscarem proteção contra as ameaças externas à sua reprodução. resumindo: podem não gostar e espernear o quanto quiserem, o protecionismo virá sob os mais diversos caminhos, pois ele está na lógica do capital (e das políticas domésticas de apoio ao capital) em momentos de crise.

Não há novidade alguma para nós no fato de que, após a retórica liberalizante do último G-20, os países que a propuseram tiveram de lançar mais de 400 medidas protecionistas, que impactam em maior ou menor grau o comércio em todo o planeta, como pode ser visto em http://www.voxeu.org/index.php?q=node/4008 . A novidade está em que isso está sendo notado.

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CRSE FINANCEIRA MUNDIAL: Bolha orquestrada com o dinheiro do FED?

Os bancos utilizaram o dinheiro do bailout mundo à fora não para retomarem os empréstimos aos consumidores e aos investidores, mas sim para comprarem ativos financeiros. Não é uma denúncia nova, mas chama a atenção a forma como foi colocada pelo Moonraker Fund Management hoje pela manhã.

A ideia é ter um lucro com a venda destes ativos agora mais valorizados, o problema é ter quem os compre pelo valor em que talvez estejam quando os bancos queiram vendê-los...

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CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
24 de setembro de 2009

REDONDO É RIR DA VIDA
Por Enéas de Souza

A civilização e o estilo de vida das finanças

A primeira grande pergunta sobre a situação atual é se os atores políticos têm idéia de que a crise financeira não é uma crise financeira. E sim, uma crise do capitalismo, uma crise do capital, que, no seu processo de acumulação, encontrou neste modelo da “finance led growth” o seu limite. É fundamental perceber que a crise não é apenas financeira, mas também produtiva e vem combinada e acompanhada de uma crise política, de uma crise climática e de uma crise de civilização. Isto significa que há uma necessidade de uma revolução nos métodos de solução desta crise. Ou seja, a crise, se bem olhada, tem uma fisionomia realmente muito maior do que se sua face fosse apenas financeira. É verdade que esta sintetiza quase tudo. Vejam-se os padrões éticos, os comportamentos políticos dos financistas, as propostas de idéias econômicas, as visões de civilização desta elite dominante do processo atual. E se não fosse cômica esta faceta, bastaria olhar as propostas fúteis do estilo de vida desta classe hegemônica. Por isso a arte tem colocado sob diversos pontos, tantos ângulos, a terrível decomposição da civilização, sobretudo, quando exemplificada, por exemplo, pelo comportamento de bancos que vendem um ativo para um cliente e através de uma cadeia de securitização acabam por apostar contra o primeiro comprador. Isto quer dizer, que a traição é um elemento básico do sistema. Uma civilização que trabalha com o crime, através dos jogos mafiosos ou de empresas militares privadas, como forma de ajustes de suas diferenças sociais e nacionais não pode se sustentar. Uma civilização que usa e se apropria do corpo do outro como instrumento de destruição, de gozo, de escravização, falando em nome da democracia, tem tudo para perder o seu rumo e a sua dignidade. Sem contar, com essa corrosão lenta, mas fantástica da devastação dos recursos naturais e da explosão dos temas climáticos como vem falando o prof. Loss.

A magia do cinema

Se duvidam basta ver os vários filmes que tratam sobre estes temas: “Carlito´s Way” de Brian de Palma, “Senhores Crime” de David Cronemberg, “ Cidade dos Sonhos” de David Lynch, “Sangue Negro” de Paul Anderson Thomas, “Cinema Falado” de Manuel de Oliveira; “La vie Nouvelle” de Phillipe Grandrieux, “Onde os fracos não tem vez” dos Irmãos Cohen, “Gran Torino” de Clint Eastwood, “Collateral” de Michael Mann, “Dogville” de Lars von Trier, “Histoire(s) du Cinema” de Jean-Luc Godard. Ao assinalarmos estas películas, não excluímos outras, inclusive destes mesmos autores. O que importa apenas é que temos nestas obras uma amostra da civilização que direta ou indiretamente as finanças criaram. É verdade que “Os Pássaros” de Hitchcock, já em 1963, ainda no século XX, anunciava um maltrato geral com a natureza, e os efeitos danosos sobre o próprio homem, em ação reversa, desta apropriação “racional” dos recursos naturais, Somando o que dissemos, a pergunta aqui é: trata-se de um momento onde a natureza histórica do homem volta-se contra ele próprio ou estes comportamentos fazem parte da natureza humana propriamente dita?

Onde está a sociedade?

O segundo ponto que analisamos é o seguinte: apesar do desastre produzido pelas finanças, estas continuam a comandar o processo econômico. Não na sua recuperação, mas no impedimento de qualquer mudança, de qualquer transformação para que as finanças sejam funcionais para o sistema econômico. Exemplo claro é o cerco, já tantas vezes falado por essa coluna, que sofre o governo Obama, que não consegue propor nenhum maior controle sobre o desempenho deste setor. Vejam o que é indispensável para resolver a questão do sistema financeiro americano e internacional: aportes significativos de recursos para o capital das instituições financeiras; definições de regras claras sobre alavancagem e seus níveis, estabelecimento de critérios seguros sobre securitização e seus produtos financeiros; tratamento adequado do controle destas falsas autoridades que são as agências de ratings; o desenho de uma regulação estatal que reúna as múltiplas agências que controlam partes do sistema financeira e que colidem muitas vezes entre elas; uma concepção clara das funções do sistema financeiro em relação ao sistema produtivo, etc. A pergunta que fazemos é a seguinte: como é que com um nível de desemprego altíssimo e com uma paralisia alentada da economia americana, a sociedade dos Estados Unidos não foi capaz de pressionar para transformações profundas na sua estrutura produtiva e financeira?

Intervalo para uma pergunta tupiniquim

Agora uma temática mais nativa. Começamos salientando os seguintes pontos: o governo brasileiro jogou na crise defensivamente muito bem; acertou desonerações de impostos para alguns setores com a finalidade de manter o consumo; forçou os bancos públicos a criarem uma certa concorrência ao setor bancário privado; propôs um plano de habitação popular, etc. Enfim só bola no gol. Mas, este lance foi seqüência de um passo sólido já dado anteriormente, quando elegendo a Petrobrás como um dos centros do PAC, o Estado nacional já tinha se proposto a mostrar que só há uma saída: atuar fortemente como um elemento articulador da política e da economia, sobretudo num momento de crise.

Do ponto de vista econômico, o neoliberalismo amarrou os Estados para ficarem numa posição externa à economia, ao menos enquanto o setor financeiro não precisasse de recursos para salvar as suas instituições. Porém se o Estado brasileiro soube sair do cerco atuando ativamente nas desonerações, na forma de atuação dos bancos públicos, etc,, ele não pode sair na frente fazendo investimentos autônomos. Estava obviamente amarrado. A interconexão das economias no plano internacional e as condições políticas internas do país bloqueavam a possibilidade de usar a inflação, bem como aumentar a carga de impostos com a finalidade desenvolvimentista. Dito isso, o que se percebe é que o Estado brasileiro acabou por conceber um projeto de futuro, que vai da energia (petróleo, pré-sal, bio-combustíveis), passando pela produção de alimentos para chegar até a organização de indústrias tanto ao redor do pré-sal como no campo militar. Com isso, o projeto se torna explícito: de um lado, tornar-se uma potência de grau intermediário, buscando inclusive participar do Conselho de Segurança da ONU como integrante permanente; e de outro, arrancar para uma maior presença na divisão internacional do trabalho.

Para fazer a ligação entre a postura defensiva depois da emergência da crise e o projeto de futuro do Brasil, são necessários e indispensáveis investimentos, a pergunta que se faz necessária é a seguinte: qual ou que atores farão estas inversões indispensáveis? De maneira crua: de onde vão sair esses recursos? E daí, passamos a outras perguntas, dentro da mesma zona de questões, considerando os processos internacionais que tentam superar a crise. A burguesia nacional estará ousando ultrapassar sua posição sempre temerosa e subordinada no processo de acumulação de capital? Terá a Petrobrás e a Petrosal a capacidade política e econômica de atrair parceiros privados no nível capaz de fazer mudar o status do país? Quais serão os capitais estrangeiros que entrarão num mix para investir nos múltiplos projetos nacionais? Como? Quais? Enfim, este momento histórico de crise do capitalismo é um momento de grande oportunidade que permitirá o Brasil sair da longa fase de paralisia que atingiu o país, desde o fim dos governos militares até o governo de Fernando Henrique Cardoso?

O enterro do G-8

Voltando ao mundo. Este G-20 está revelando a liquidação do G-8, o que significa uma necessidade de reformulação da estratégia americana; do reconhecimento de uma fraqueza crucial da Europa e da necessidade de uma reposicionamento de suas forças; da emergência muito forte e decisiva dos países emergentes com a China, como a India, como o Brasil, etc. Seja como for, a tarefa deste G-20 é imensa. Vai trabalhar na tentativa de evitar o protecionismo - o que é um fato quase impossível -, vai requerer a busca de uma coordenação na regulação financeira nacional e internacional, vai lutar por uma reativação do comércio internacional num tempo breve e vai exercer uma diplomacia visando bloquear conflitos que terminem em hostilidades tão agudas como conflitos armados. Mas sobre G-20 não escapamos de fazer uma pergunta: se os Estados Unidos, que é a nação mais poderosa do mundo – econômica, política, financeira, tecnológica e militarmente - não consegue nem se organizar internamente, como poderá liderar um processo de reorganização internacional? Depois desta interrogação, podemos fazer mais outra questão. O G-20 vai conseguir – se conseguir - fazer alterações negociadas na ordem política e econômica mundial. em que prazo? No curto, no médio ou no longo prazo?

Perguntar não ofende

A depresssão está descartada? Pois este é um problema que economistas e políticos tentam esconder, colocar em baixo da terra, como se não falar sobre o assunto fosse uma forma de descartar a sua possibilidade. Esta pergunta é uma flor do mal. Mas, a meu ver, ela está presente, ela é como aquelas pessoas que a gente quer evitar, mas que aparecem, que se infiltram e estão aí. Se a gente começa a conjeturar, a gente vê que esta idéia não pode ser descartada assim tão facilmente. E porque? Em primeiro lugar, o buraco deixado pelas finanças e o encadeamento da superacumulação na área produtiva não está permitindo que o investimento se faça e adquira robustez. O Estado, de fato, está ajudando fortemente os financistas e as instituições financeiras, mas muito pouco ao setor industrial. E olhando bem, a superacumulação na esfera produtiva está levando a uma queima de capital e a uma certa aversão ao investimento. Acresce que a necessidade de transformações tecnológicas profundas está sendo modestamente alcançada. De outro lado, o crédito não está fluindo e as empresas produtivas não tem recursos próprios suficientes para aplicarem em equipamentos e máquinas e em novos processos de produção. A preferência pela liquidez continua florescendo. Os bancos que são a chave nesse processo, sobretudo no capitalismo americano, estão engordados com ativos tóxicos de todas as espécies. O crédito não deslanchou e os setores que tem dinheiro não conseguem encontrar, com segurança, setores que precisam de capital. O sistema financeiro como hegemônico está totalmente desarvorado e só girando em torno de sua salvação. Já falamos muito nisso: falta a ele capital, ele está atolado em ativos podres e não está conseguindo padrões de rendimentos atrativos como nos grandes tempos. As especulações são raras e efêmeras e sem grandes compensações. Tudo está dominado por um ambiente de incerteza e medo. E ao mesmo tempo, o resultado total desta finance led growth é o desemprego, é a ausência de investimento, é a preferência pela liquidez, é a inapetência pela aplicação na produção. E o governo, abraçado às finanças, vai aumentando o seu déficit fiscal, levando o dólar a uma trajetória de desvalorização, minguando consequentemente o seu poder de troca. Por isso, leitores, é importante perguntar sem nenhum pudor: quais são os argumentos que nos garantem que uma segunda grande depressão está descartada definitivamente?

segunda-feira, setembro 21, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Bomba jurídica ameaça bancos nos EUA

Uma corte de justiça do Kansas admitiu que os vendedores tendo sido pagos eplos securitizadores não é possível que os detentores deses títulos possam despejar os moradores das casas. Ou seja, se a sua dívida foi securitizada pelos bancos o não pagamento da mesma não poderá implicar em despejo do morador.

Caso essa decisão fosse estendida ao sitema norte-americano como um todo a partir de um julgamento na Suprema Corte, os principais bancos do país estariam imediatamente insolventes... duvido que isso possa ocorrer, mas é mais um componente de incerteza no intrincado xadrez das finanças norte-americanas.

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http://www.opednews.com/articles/LANDMARK-DECISION-PROMISES-by-Ellen-Brown-090921-894.html

quinta-feira, setembro 17, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
17 de setembro de 2009

EMPREGO,
TEU NOME
É INVESTIMENTO!
Por Enéas de Souza

Uma crise que tinha tudo para virar uma depressão e que se tornou uma grande recessão, ao menos até o momento, nos leva a meditar sobre o lado político dos acontecimentos, inclusive na atuação e os méritos do Estado. Antes de mais nada, o que observamos é que o capital tem o domínio total da sociedade e, dentro do capital, o setor financeiro tem levado a melhor. Ele é o centro solar do universo econômico. No momento, vive um instante dramático porque aquele poder absoluto, vigoroso, charmoso e, ao mesmo tempo, arrogante, impositivo, fazendo apologia de si mesmo, foi substituído por um período onde as finanças foram postas em questão. Por quê?

A coesão na divergência

Primeiro porque o setor sofreu um abalo econômico, político e porque não dizer emocional, uma vez que lhe escapava a lucratividade dos tempos da vertigem especulativa, aquela música que tinha dançado antes. E, em segundo lugar, porque essa decadência da renda financeira dividiu o setor, provocou bancarrotas e diferenças de estatuto do sucesso das entidades da área. E, claro, posições divergentes só trazem posturas distintas quanto às propostas de saída da crise. Seja de como cada um vai sair da crise, seja porque alguns foram eliminados no caminho, seja pelos interesses que se tornam claramente opostos. Portanto, se estabeleceu imediatamente uma luta fratricida e bélica de envergadura. Só que, diante da ameaça do extermínio de sua liberdade, os capitais pastando na área financeira, mesmo com contradições, encontraram uma ação minimamente coerente, uma espécie de reconversão ou uma tentativa de restauração do império financeiro. Nesta direção, nos Estados Unidos, foi trabalhada, ao longo do tempo, uma série de medidas para construir uma frente do setor: jogar pesado política e ideologicamente contra a nacionalização dos bancos; jogar ideológica, congressual e praticamente contra a regulação desejada pela sociedade, aceitando uma regulação que seja favorável e garanta o lado financeiro da economia; construir um cerco ao presidente Obama com titulares de cargos que sejam favoráveis ao seu grupo e à sua visão; resistir o máximo possível à proposição de limitar os amados bônus dos dirigentes financistas; assegurar que a política econômica, na sua parte monetária e financeira, defenda tanto capital e bailouts do Estado como as ajudas financeiras do Banco Central e as mudanças de critério na contabilidade para permitir o manejo dos ativos tóxicos; preparar o Estado para que os déficits fiscais venham a cobrir furos financeiros e não necessariamente necessidades do setor produtivo e da população; manter uma relação de liderança com a mídia, capaz de fazer com que esta apenas desgaste a superfície das finanças, limando as bordas ao atacar Maddof, o vigarista e apoiando o núcleo, ao louvar, por exemplo, o Goldman Sachs, por suas invenções e seu apetite de risco. Como disse um entrevistado num programa de televisão: o risco faz parte da cultura americana (sic!).

Camões inspirando a mídia para as finanças

A conclusão imediata a qual se chega é apenas uma: apesar de um ano de desastre financeiro, o Estado continua dominado pelas finanças, trabalhando, apoiando e aprovando estratégias financeiras para a saída da crise. E tendo conseguido para a área cada vez mais tempo para ela pudesse pensar, planejar e agir. Com isso, conceberam – as finanças e o Estado – um sentimento absolutamente novo: o pior da crise já passou. Pois esta chegou a um patamar de segurança, onde a economia financeira parou de cair. O que parece real, sobretudo com a corneta gloriosa, “a tuba canora e belicosa” como diria Camões, dos múltiplos setores da imprensa. Mas, lá no porão do Estado, as contas públicas estão se deteriorando, e o dólar anda em discórdia com a vida e está sendo um pouco mal visto e até mal aceito. Ninguém mais se espanta: ele começa a ser questionado. O importante é saber se este movimento e esta tendência são passageiros. Sinais contrários apareceram, apontando para um horizonte de cores cinzas, quem sabe, negras, na elevação do preço do ouro e na busca de construção de uma de reserva monetária internacional chinesa.

A conversa mole da recessão que terminou

Em todo caso, os Estados Unidos continuam em recessão. Aliás, é bom discutir o que é uma recessão. Vamos combinar que diremos que uma economia está em recessão quando ela não cobre a necessidade de investimento capaz de incorporar, no processo de trabalho, os candidatos de uma nova geração de trabalhadores. Portanto, quando não oferece oportunidade de emprego para atender o crescimento anual de uma população de uma determinada sociedade. O leitor pense um pouco comigo. Nos Estados Unidos, temos 9,7% de taxa de desemprego, sem contar os novos pretendentes. Realmente, estes números sustentam a idéia de que a economia saiu da recessão? Obviamente, para começar a afastar-se dela a atividade econômica teria que estar recomeçando a recuperar o emprego daqueles quase 10% que falamos acima e ensaiando um projeto de empregar os novos advindos ao mercado de trabalho, no rumo do pleno emprego (Será que algum dia as finanças ouviram falar no assunto?). Naturalmente, estamos muito longe disso. E por quê? Primeiro, porque a tentativa de saída da economia é continuadamente um pensar a recuperação pelo lado das finanças. E para estas sim, pouco importa, imediatamente, se as pessoas estão empregadas ou não. A solução da economia para as instituições financeiras é provocar uma dinâmica de alavancagem, de crédito e de securitização que leve e retorne aos polpudos rendimentos nas suas aplicações. O emprego é um efeito derivado destas rendas. Pois parte delas, se tornando consumo, por derivação, quando a capacidade ociosa da produção vai se esgotando, se transformam em investimento. E só aí ocorre a recuperação do emprego, que é também ajudado pelo ressurgimento dos serviços ligados à esfera produtiva. O terceiro fato de crescimento do emprego surge de uma reativação do mercado externo. Não existe nesta visão das finanças nenhuma questão social do emprego. A finance led growth não é automática e nem promove a recuperação e criação de postos de trabalho como reativação da economia. Portanto, para quem pensa em termos de sociedade, não pode acreditar que qualquer movimento na área financeira se arma como recuperação dos negócios e do emprego. Para as finanças, este vem por último. (Isso sem falar, que até agora, o desastre financeiro dos compradores de casas não foi resolvido, sequer razoavelmente encaminhado pelo governo, pelo Estado, pela nação.) Assim, a pergunta que se faz é a seguinte: é viável pensar que a recessão acabou? Ou mesmo como nos diz Bernanke: há sinais de que ela está indo embora?

A morte é securitizada

E, efetivamente, as finanças, depois da folga, depois do tempo para recomposição, estão pondo, estão combinando ideologia, prática e teoria, novamente. E estão proclamando que a recessão terminou. E para justificar as suas palavras, elas já estão inventando novos produtos. Um exemplo magnífico é o novo produto da securitização das apólices de seguro de vida. Essa inovação financeira significa que você agora pode fazer um seguro sobre a sua existência, e com esta apólice transferí-la para uma instituição financeira, recebendo com uma taxa de desconto, o valor segurado. Essa operação dá o direito à referida entidade, quando você morrer, o recebimento do valor transacionado. E, portanto, em princípio, neste momento, valorizar a sua aplicação mediante uma renda financeira. Só que isso, dado o próprio sistema de auto-regulação e do processo de securitização, pode encadear uma série de papéis, inclusive “tranches” com ativos tóxicos, que vai nos levar, cedo ou tarde, de retorno aos caminhos já traçados pela financeirização da economia nos últimos tempos. E dizem que o raio não pode cair duas vezes no mesmo lugar... Alea jacta est. O ponto é o seguinte: o que vai fazer o Congresso? O que vai fazer o governo americano? Qual a posição do G-20? Pois, é óbvio, o raio não vai se despencar somente sobre nos Estados Unidos. No mínimo, também sobre a Inglaterra, pois como nos falava Peter Gowan, Wall Street não existe sem a sua valorosa companheira, o apêndice londrino da City.

Olhai os lírios da economia

O Lula agora está convocando os industriais a investirem, depois de ter criado condições para que alguns setores esvaíssem o seu estoque e o emprego não desabasse. Ele não deixa de ser o grande caixeiro viajante da sociedade brasileira, o nosso vendedor de flocos de algodão doce do parque de diversões. Este gesto demonstra várias coisas: em primeiro lugar, revela o limite do Estado numa sociedade neoliberal. O Brasil, que é um país de tradição estatal, o máximo que pôde fazer foi, sem dúvida, isentar de impostos o setor automobilístico, o setor de eletrodomésticos, o setor de material de construção civil, o setor de bens de capital. Ou seja, não pôde assumir um projeto de nação independente, nem fazer um programa de investimento que dirigisse o país para um certo destino. Tudo porque o clima do atual capitalismo é a ginástica complicada de passar os rendimentos financeiros para o consumo, e deste para o investimento. Desta forma, o gasto em consumo, se ocorre, passa por compras de bens duráveis e não-duráveis. E estes dispêndios só levarão ao desembolso de recursos em investimento, só e somente, após a ocupação da capacidade ociosa das empresas. Ou seja, é muita coisa de provável e de improvável. Tem que haver inovações financeiras. Elas tem que dar resultados monetários. E estes resultados não podem ser totalmente poupados ou investidos novamente no mercado financeiro. Eles têm que ser canalizados para o consumo. E as fábricas têm que ser usadas ao máximo. Ao mesmo tempo, os empresários têm que achar que a demanda vai continuar alta, pois se não, a resposta vai ser o aumento de preços, e jamais ao aumento do investimento. As empresas produtivas, por outro lado têm que ter acesso ao crédito, sobretudo de longo prazo. Elas têm que poder lançar papéis em bolsa. Tem que etc., etc. O processo do investimento, portanto, é uma longa trajetória de probabilidades e improbabilidades até chegar a se realizar. E os empresários, com toda razão, ficam temerosos e buscam ter certeza sobre uma possível demanda. E tudo se avulta no temor quando a economia mundial parece não se mexer. Só a China não faz esse trajeto, e por isso é mais rápida, porque como o capitalismo chinês é financeiro e estatal, o Estado pode promover um pacote de investimentos para tentar barrar o crescimento do desemprego, numa reconversão da estrutura da produção. Assim, diante dos embaraços a investir produtivamente, Lula está assumindo o papel de criador de ambiente para que a economia brasileira tente sair do chão. E ele está certo. (O que não exclui os rendimentos eleitorais para a candidatura da Dilma se isto ocorrer dando ao PIB o sopro indispensável.)

Empresários do mundo, investi!

Na época getulista, as escolas tinham pregado nas paredes a frase “Criança ama a terra em que nasceste”. Pois, parece que Lula e Obama e Sarkozy e Gordon Brown e todos os governantes do mundo estão operando o teatro da busca do investimento. Proust diria do investimento perdido. Porque, nas dobras dos eventos econômicos, se a economia não for regulada (é preciso escrever em caixa alta: “SE A ECONOMIA NÃO FOR REGULADA”), o dinheiro ou vai ficar trancado na preferência pela liquidez ou vai andar atrás de novos produtos financeiros para serem securitizados (ao estilo dessas apólices de seguro de vida). E só depois, e “muito depois” como dizia o samba. aparece “a estrela do mar”, isto é, o investimento. A pergunta fundamental fica cada vez mais clara: não se trata de uma decisão política da sociedade de repensar este destino de subordinar todo o movimento da economia à necessidade de dar aos bancos e ao setor financeiro o combustível e tempo para que eles deslanchem e descubram formas de ganho? Dito de um segundo modo: não é uma decisão política, que só após a resolução das finanças, a sociedade se preocupe com a produção e, sobretudo, com o emprego?

Na crise de 1930, Keynes escreveu um livro que se chamava “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”. Ou seja, o emprego vinha em primeiro lugar. E foi só por isso que a economia progrediu fantasticamente no pós-guerra. A economia se transformou, se sofisticou; e até se financeirizou mais tarde. Mas a lição do emprego foi, é e será de grande valia para a economia capitalista na emergência de uma crise. (Obviamente, os financistas mataram essa aula!) E claro, Obama tem razão: as finanças precisam ser funcionais para a nova economia que se desenha em cima de novas tecnologias para os múltiplos mercados e com novas energias. O mundo hoje, é sem dúvida, uma grande comédia, se não fosse uma grande pequena tragédia. Não temos mais Édipos, nem Hamlets, temos os bufos do sistema financeiro ao redor da tumba do desemprego, clamando por novas securitizações. E depois prendem apenas o Madoff. Mas, o que vale a prisão de um Madoff num mundo cheio de Madoffs? Que a sociedade sustente o apoio ao investimento!

segunda-feira, setembro 14, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Navios fantasmas desafiam discurso da recuperação


O comércio internacional segue em marcha lenta, em que pese o discurso da recuperação ter tomado conta dos corações e mentes nesse final de semana. Uma imagem pode ser bastante reveladora. E ela mostra o exército de navios fantasmas abandonados no mar de Cingapura por falta do que transportar. Esse excedente na capacidade de transporte corrobora o que vem mostrando o índice de transporte de cargas chamdo Baltic Dry: uma queda de cerca de 40% no transporte de cargas após maio/junho DESSE ANO (2009). E isso no momento em que deveriam estar sendo transportadas as mercadorias para o próximo Natal. as encomendas foram bastante magras, pelo que se vê.

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CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Protecionismo é a nova ordem

Estava demorando muito, mas, para quem acompanha esse blog, era evidente que, ao contrário do que publicamente advogavam, os estados Unidos não resistiriam à tentação do protecionismo. A o import uma tarifa de 35% em adição aos 4% vigentes para a importação de pneus de origem chinesa, o Presidente Obama deflagra, de modo mais explícito, uma guerra comercial que não ficará sem resposta de parte dos chineses.

Para os mais desavisados: o mundo relamente mudou após a crise financeira, agora estamos na fase de desorganização daquilo que era considerado intocável anteriormente. Mas, ainda não se vislumbra com clareza do que será feito o futuro do capitalismo.

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sexta-feira, setembro 11, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Crise da civilização

Mais uma notícia liga a crise financeira mundial a uma crise civilizacional. A nota mostra que o UBS vendia títulos (CDOs) que sabia de antemão serem lixo (eram qualificados internamente em e-mails como crap and vomit). Mas, o mais interessante é que os e-mails comprovam que a agência Moddy's participava ativamente do "esquema" de iludir os compradores ao combinar com o UBS o momento exato de iniciar o rebaixamento dos ratings dos papéis de modo a que o banco pudesse se livrar dos mesmos pelo máximo de valor...

Quem confiará em quem em Wall Street e quando, essa é a pergunta que temos de nos fazer.

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quinta-feira, setembro 10, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
10 de setembro de 2009

BALAIO DE OFERTAS
(na volta das férias americanas)
Por Enéas de Souza


Hoje vamos comentar o trivial variado que está acontecendo na economia americana e mundial. O título da matéria poderia ser “Estratégias e Estruturas”. Pois é disso que trata nosso balaio. Mas, como é balaio – balaio de ofertas – os itens vão saindo a medida que vamos pegando-os. Eis as ofertas que olhamos para hoje.

Desorganização monetária mundial

O mercado monetário mundial está mostrando e revelando que o dólar continua a sua espiral descendente, implicando que a economia americana continua numa zona problemática. E que vivemos, nestes dias, um dos efeitos desta debilidade, sobretudo, olhando a figura do dólar na função de reserva de valor mundial. Naturalmente, que ele continua “prestigiado”, que ele continua a ser a moeda mais importante do planeta, embora a locomotiva da economia americana esteja sofrendo uma demora e uma parada da recessão. E, obviamente, os americanos não estão completamente inertes, nem deixam de buscar uma solução e uma retomada necessária. Só que, claro, tudo está incerto, e nenhuma direção parece definida. Ninguém, em verdade, sabe para onde vão os Estados Unidos. E o que ocorre na sua trajetória geral se reflete na oscilação da sua moeda. Ou seja, essa oscilação mostra a fraqueza atual de sustentação da economia americana, seja na sua face financeira, seja na sua face produtiva. E como uma moeda é um reflexo da economia, a metamorfose incerta de sua navegação, acaba por revelar uma igual incerteza na moeda. Por isso, não adianta o coro apressado de que “crise já passou” para que o dólar volte a ser forte - o próprio mercado está desmentindo.
(Ué! Alguma dúvida? alguma surpresa? Não é o mercado que regula a economia? Não há super-herói que segure uma moeda, só a fortaleza da atividade econômica.E a americana desabou.)

E Midas veio dar uma chegadinha no capitalismo financeiro?

Esta incerteza monetária, porque não dizer também fraqueza, se reflete e emerge em outros registros dos fenômenos econômicos. Mas, para a coluna de hoje, vamos destacar pelo menos dois deles: a expressiva elevação do preço do ouro e a tentativa da China de colocar títulos no mercado, expressos em renminbi. Ora, o primeiro aspecto é claro: o dólar se enfraquece na corrida monetária e o cavalo da velha relíquia aponta o seu rosto na curva. Ou seja, a preferência pelo ouro pode ser o indício de que a preferência pela liquidez em dólar comece a desconfiar da moeda na qual sempre se ancorou. Então, o velho equivalente geral das trocas, porto monetário de outros tempos, retorna como um antigo herói e como ator do teatro financeiro atual. Ele sabe que sua glória, em termos de financeirização, é passageira. Porém, se ela é efêmera, não deixa de ser inquietante, porque nada mais expressivo do que uma corrosão no valor da moeda americana. Com esse desgaste, anuncia-se que o mundo econômico tende a preferir não mais uma moeda financeira, mas, algo mais duradouro fisicamente. Cabe ver, então, este paradoxo: de um lado, assinala-se que o ouro poderá ocupar por um período limitado, ao menos, a posição de reserva de valor. (No momento, ocupa apenas a posição de substituto para os desesperados, para os especuladores ou para os precavidos). E, por outro lado, sendo uma mercadoria, que tendo a durabilidade como propriedade, é capaz de ocupar, no instante de forte crise do capitalismo das finanças - exatamente por essa característica - o posto de moeda universal. Embora apresente obstáculos, exibe uma desvantagem notória quanto ao aspecto de mobilidade e transporte. O paradoxo dessa situação alimenta uma idéia não bizarra, nem surpreendente, de que a crise monetária que se aventa indica que estamos num ponto de transição do sistema econômico, onde nada está claro, onde tudo está por se decidir. Assim, falam alto, nestes instantes, os especuladores, levando de arrasto os desesperados e os assustados precavidos. Claro, por trás, ao menos nesta hora, está a astúcia da mentalidade especulativa, sempre exacerbada no capitalismo. A casa de jogo da moeda americana continua freqüentada, mas tem gente que pensa que a economia do Tio Sam vai pegar fogo. E daí buscam fugir do dólar. E daí começam a apostar contra.

A China quer a desconstrução da universalidade do dólar?

Temos, então, os chineses. Eles são pelo dólar; é mais fácil; eles estão abarrotados desta moeda. Sempre pensaram que iam pegar os americanos pelos fundos, mas de repente perceberam que estes é quem tinham entrada pela porta trazeira da China. Mas, a China é um país onde tem Estado, onde os dirigentes estatais jogam a longo prazo. Constatado que o dólar está em trajetória de enfraquecimento e que o governo americano faz corpo mole (e que eles, os chineses, estão cheios de dólar, depois de terem manejado/manipulado a sua moeda todo o tempo), a China começou a pensar numa outra variante: projetar a possibilidade do Yuan ser uma moeda de transação internacional. Se querem ser uma economia sub-líder, na cola dos Estados Unidos, é fundamental ter uma moeda apreciada, negociada nos mercados, e não regulada pelo próprio Estado. Duas são, em verdade, as condições para uma moeda financeira no mundo capitalista contemporâneo. De um lado, para além das funções de meio de circulação e medida de valores, uma moeda deve cumprir a função de reserva valor. Para tal, ela requer que o Estado que a sustente, tenha que garantir o seu valor através de dois pontos econômicos: da fixação da taxa de juros pelo Estado e do lançamento de títulos assegurados pelo tesouro do país, negociados em mercado. É isto que define e garante o valor da moeda financeira de um país. E que no confronto com outras moedas possa ser uma moeda reserva de valor internacional. E é isto que China está começando a fazer. Tudo, no caso, fortalece a idéia de que o dólar possa inaugurar um segundo ato da crise americana. No roteiro dos acontecimentos pós-suprimes, pós embaraços dos ativos tóxicos, pós-emperramento da securitização - dadas as complicações atuais do mercado financeiro americano e internacional - ele se encontra na eminência de um perigo. E se acrescentarmos no horizonte de adversidades as perspectivaa de um aumento do déficit fiscal e da dívida americana, ele certamente entrará numa faixa crítica. A avaliação da China é que o dólar está se aproximando deste ponto dramático. E o gesto de busca da construção de uma moeda internacional, preparando inclusive o lançamento de títulos públicos chineses em renminbi, avizinha um período de desconstrução do dólar como moeda universal. Não há ainda uma inevitalidade, nem está assegurado que o rumo será nesta direção. Todavia a seta destes acontecimentos diz que no fim deste caminho, definidos pelo aumento do ouro, pel surgimento de uma moeda chinesa e por possíveis problemas fiscais dos Estados Unidos, será o surgimento de uma forte desordem aos mercados monetários internacionais , no estilo dos anos 70, quando dólar, o yen e o marco alemão disputavam a figura principal no palco das moedas de então.

O Estado e as partes desatadas

Falamos da desorganização monetária, mas a conclusão a que estou chegando é outra. Uma economia quando fica entravada em múltiplos aspectos envolvendo o sistema bancário, o sistema financeiro, o sistema produtivo, o sistema tecnológico, e sua conexão com o sistema financeiro internacional, acaba por encontrar distúrbios na área da moeda. Trata-se de um retrato que assegura que as articulações feitas na sua constituição anterior se tornaram cariadas, arruinadas, desmanteladas, e algumas delas, irreversivelmente destruídas. Ora, quando isso acontece, ou seja, quando algumas partes da economia que se ligavam com outras já não tem condições de serem reatadas, o que é que se pode pensar? É preciso projetar a renovação das estruturas passadas. Há que perseguir a reinscrição de novas relações na economia, e não apenas concertar ou alterar uma ou outra ligação. Na verdade, como dizia o mestre Ignácio Rangel quando uma economia desata e quando numa ponta fica uma parte cheia de recursos financeiros e no outro canto, na outra ponta, permanece uma área deserta, abandonada de recursos, o que é fundamental fazer é achar uma forma de reatar esses lados, essas áreas. E isso é um trabalho que passa pelo Estado. E convenhamos amigos, tal não está sendo possível por vários motivos. Dois exemplos: na área financeira americana houve grupos que ficaram com o capital valorizado e/ou doado pelo governo, e só querem largá-lo apenas com vantagens imensas, e, sobretudo, não querem – pior que tudo - transformar a forma como esses capitais fluíam e se robusteciam. É o caso de grupos como o Goldman Sachs, que se acham vencedores e mais espertos que os outros. E que incentivam as finanças e a diversos setores a resistirem a uma metamorfose. O segundo exemplo é a China, abarrotada de dólares, que está disposta a, feliz da vida, aceder à economia americana, Mas, os americanos não querem por razões estratégicas, por razões econômicas e por acharem, que no fim da cena vão dar uma capoeira ou aplicar um golpe de mágica nos mandarins. De qualquer modo, não há Estado, com influência prioritária das finanças, que tenha suficiente vontade política para unir os recursos de uma ponta com as áreas carentes de recursos da outra. Sob certo ponto de vista, a economia mundial só vai sair dessa situação, quando o(s) Estados puderem combinar as partes soltas das estruturas econômicas. E, até agora, só apenas a China, dos países desenvolvidos, está encaminhando as coisas para essa nova configuração.

Não haverá paz social

Dito isso, o que percebemos é uma necessidade estrutural e de lógica econômica que a formatação anterior vai ter que mudar de uma forma ou de outra. Quem sabe teremos toda uma nova economia globalizada. Gordon Brown vem até falando sobre isso, da sua forma diplomática, aliás. Mas, vejamos: o sistema bancário com esse permanente “credit crunch” não pode ficar com está. A securitização terá que encontrar mecanismos de controle para que funcione. A regulação que poderia controlar e vigiar a alavancagem, a dita securitização, os derivativos, as agências de ratings, a recuperação do crédito generalizado, terá que passar pelo pente fino do Congresso, cada vez mais conservador e não apenas por causa da representação republicana. Então, o que se percebe é que na boa vontade das finanças nada vai mudar. Um dos problemas graves que surgem no horizonte é esta terrível taxa de desemprego, que pode ultrapassar 10%, um pouco mais adiante. Ora não haverá paz social sem emprego e sem produção. E não havendo produção, nem emprego, é extremamente complicado que as finanças possam desenvolver e desembaraçar aqueles problemas citados acima. E o enroscar disso vai encrespar a sociedade, o congresso, o governo e as relações internacionais. E na proscênio de tudo isso, como a prima dona desta ópera, o primeiro personagem citado, o dólar.

A troca do modelo econômico

Desta maneira, se o que estamos descrevendo tiver algum parentesco com a realidade, a necessidade de transformação do antigo e atualmente esfarrapado modelo de acumulação financeira vai ter que acontecer. Mesmo que seja por outro ainda sob o comando das finanças. Mas, um modelo econômico não se troca simplesmente como se troca um pneu, uma lâmpada ou um sapato. A troca é um processo social dolorido, cheios de racionalidades e irracionalismos, de lutas entre os próprios grupos sociais vencedores, mas em desacordo. Nesse sentido, as finanças já começaram a sua hemorragia interna e os conflitos terão que aumentar severamente para que as forças que querem a mudança dêem o tom das políticas econômicas. Só que a sociedade americana – e não apenas o Congresso – está voltando de férias. E o resto do mundo, também está retornando das suas férias de verão ou de inverno, conforme o Norte ou o Sul. E, todos, com ânimo ou com raiva ou com esperanças, estão voltando para o combate. O planeta neste agosto e neste começo de setembro estava “too quite”. A sessão vai recomeçar. Já daqui a duas semanas teremos, em 24 de setembro, o G-20, em Pittsburgh, Kansas, o que é capaz de pôr mais gasolina, mais idéias e mais antagonismo no fogo da desordem financeira. Sem dúvida se estes encontros continuarem sem decisões e ações concretas. O jogo indica que novas emoções estarão em campo. E uma hipótese é que se dê mais um passo na desordem econômica geral. Pois, não é demais repetir: o mundo precisa de um novo sistema financeiro, requer um novo sistema produtivo, almeja uma nova interrelação econômica entre os países e tem uma necessidade profunda de uma nova ordem na proteção social da maioria dos habitantes do planeta. Já dissemos: toda mudança se faz com desordem, batalhas e recomposições. E o importante é saber que quando muda a fisionomia das estruturas econômicas e políticas, os lugares não permanecem os mesmos, nem as posições prosseguem idênticas. A China, por exemplo, continuará numa segunda posição, mas certamente o seu lugar será outro. E ela trabalha para isso. O Brasil, quem sabe, esteja melhor preparado para assumir estratégicamente o papel de um médium player com mais presença internacional e mais claro posicionamento na ordenação econômica do mundo. Temos que considerar igualmente os Estados Unidos. Certamente, o mundo não mudará sem eles, mas provavelmente não ocuparão mais o posto de país hegemônico e absoluto dos anos 90. Teremos um novo mundo . Só que não se sabe se será admirável, como pensavam, em outros tempos, os futuristas, poetas e artistas plásticos. Também não se sabe se nãp colheremos “O ovo da serpente”, que fez figura e história na imagem cinematográfica de Ingmar Bergman. Outros poderão pensar que o tema penderá para um melancólico olhar de despedida, como no “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway. Seja como se queira, uma mudança está inserida desde logo nas adivinhações do tempo que está para chegar. A hora do parto ainda não está prevista. De qualquer maneira, o título do livro de Paul Auster “O Homem no Escuro” dá o tom do momento, o tom da mais incrível incerteza.

quinta-feira, setembro 03, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
3 de setembro de 2009

G-20:
LUTA DE TODOS
CONTRA TODOS?
Por Enéas de Souza

Há uma questão incômoda entre os governantes dos Estados que compõe o G-20. De um modo geral, na dimensão pública, o neoliberalismo, com seu escudeiro, a mídia, desempenha o seu lubrificado oratório: “A crise já passou”. Mas a platéia não se convence muito com esta música, e muito menos com os intérpretes. Ocorre que, ao mesmo tempo, para evitar o sentimento de uma realidade angustiante, fingem que acreditam. A mídia tem a estratégia e a estética do fingimento. Fingir para que as pessoas creiam. Fingir de que já estamos em recuperação. Tudo na conta - e pela ordem - do capital financeiro. Um abafa para que as populações continuem na inocência, simplesmente aguardando o retorno da felicidade. Felizmente, os governos, lá nos seus gabinetes, no secreto dos seus pensamentos, não chegam a entrar no engodo da propaganda generalizada e festiva. E de vez enquanto, deixam, eles também, o sorriso do lado externo, do lado de que tudo está bem, para pensarem formas de tentar buscar um caminho para a saída da crise. É nesta viagem que se embala Gordon Brown, na véspera do G-20.

Mr. Brown não usa o charuto de Churchill

Churchill era um primeiro ministro de grande imaginação e de grande coragem, dirigiu a Inglaterra em momentos graves da 2a Guerra Mundial. Ele se celebrizou por um famoso discurso que pedia aos ingleses: “Sangue, suor e lágrimas”. Não foi apenas este discurso que o fez notável. A sua celebridade foi múltipla. Notáveis foram o seu V da vitória, com dois dedos da mão direita, e o seu fumegante e fulgurante e mágico charuto, que lhe dava um tom de poder e de capacidade de liderança. Numa dimensão, este charuto significava o sentimento do dever cumprido, a pausa para o prazer, mas, noutra, o gozo pelo trabalho bem feito, a insistência da teimosia que vence. E daí vinha a imagem do gênio que requer o aplauso até mesmo do inimigo. Pois, há em cada primeiro ministro inglês uma persistente tentativa de ter esta genialidade de Churchill. Vem a galope a comichão que visa a glória que o capitalismo deu a um descendente nobre que o serviu com gala.

Depois, da 2ª Guerra Mundial, a diminuição da importância da Inglaterra e da libra inglesa, botou esta ambição cada vez longe de qualquer político inglês. Vide Blair, o puddle de Bush. Só que o fantasma de Churchill continua rondando. E, ultimamente, como o espectro do Pai que apareceu a Hamlet, o príncipe shakespeariano do “to be or not to be”, agora igualmente Churchill tem aparecido a Gordon Brown. O atual chefe inglês continua pensando em proporcionar ao mundo – e secundariamente para a Inglaterra, como gozam os conservadores – a solução desta crise financeira mundial em múltiplos dos seus quesitos. Foi assim, logo depois que Obama assumiu; é assim agora, nos prolegômenos da reunião de setembro do G-2O em Pittsburgh, Porém, a tarefa é gigantesca. Nem a Inglaterra tem mais o poder da primeira metade do século XX, nem Gordon Brown é Churchill. E, que eu saiba, nem fuma - o que nesses tempos de proibição de fumar seria quase imperdoável para um líder. Mas, mesmo não sendo Churchill, nem fumando, o atual primeiro ministro tenta exercer e dar um sentido glorioso a sua liderança. Pensa. E pensa sem cigarro e sem charuto. Pensa e propõe. E é assim que alguns políticos e economistas no cenário internacional perguntam: o que quer, de fato, Gordon Brown, o primeiro ministro britânico?

Uma Confissão que não é a de Santo Agostinho

Não é preciso fazer mistério, Gordon Brown propõe, pelo menos, três pontos para o G-20 de Pittsburgh. Mas quando faz as suas proposições, na verdade, ele confessa algumas coisas que valem a pena registrar. A primeira delas - e decisiva - é que a economia mundial não ultrapassou o caminho do desconforto e nem entrou na zona de recuperação. Contra essa análise, sugere e afirma que é necessária para a economia uma coordenação global, junto com um aperto fiscal generalizado, para que a ordem do mundo entre nos eixos. Busquemos, por nossa vez, agora, entrar um pouco na idéia de Gordon Brown. O que ele está nos dizendo é que as economias estão fazendo esforços, mas cada um para o seu lado. É como um corpo cuja cabeça se dirigisse para o sul, as pernas para o norte, os braços para leste e o tórax para oeste. Ou seja, há necessidade de uma integração, de uma coesão. E isso só virá através de uma coordenação que articule a totalidade econômica. Idéia generosa, mas que a primeira vista parece inviável. E por que? Porque não se enxerga no momento qualquer disposição dos americanos, por exemplo, de fazer um trabalho dentro de uma coordenação mais orquestrada. Os Estados Unidos, com a sua visão messiânica de si mesmo, não acreditam nesta combinação, salvo se ela for comandada por eles. E Gordon Brown sabe das duas coisas: que o ideal seria uma coordenação para um mundo globalizado e que os americanos não a aceitarão. Então, qual o objetivo dessa observação?

A finalidade da palavra de Gordon Brown está na segunda parte da proposta, o recado de política econômica: há que fazer um aperto fiscal. E é um recado, mais que direto, para os Estados Unidos. Pois, o que está ocorrendo é que os americanos vêm tomando decisões que visam resolver, custe o que custar, tanto a economia financeira quanto produtiva do seu próprio país, principalmente a primeira. Com um porem, no entanto: dada as complicações e os labirintos econômicos, do qual temos falado nesta coluna, as decisões dos governos de Bush e de Obama têm sido a de ampliar constantemente a dívida do Estado. E provocar, consequentemente, um progressivo déficit fiscal. Ora, o que Gordon Brown está chamando a atenção é que o que está em perigo, se este caminho continuar a ser trilhado largamente, é o dólar, a moeda de reserva mundial. Nessa direção, ele estará irremediavelmente ameaçado. Ou seja, onde Brown põe o dedo é no ponto delicado do problema. E diz: tudo bem se não quiserem uma coordenação – acho que devemos tentar – mas, ao menos, não entremos em desorganização fiscal, sobretudo os americanos, porque aí, sim, passaremos da Grande Recessão para uma Grande Depressão, que talvez possa ser maior do que aquela de 30.

We trust in God. Mas que Deus salve os bancos.

Gordon Brown foi ministro da Fazenda da Grã-Bretanha, logo conhece o valor da moeda. E, sobretudo, no caso do dólar, sabe daquela frasezinha escrita na cédula do dinheiro americano: We trust in God. Por isso, é preciso salvar o dólar. Mas, a salvação dele não é apenas um requerimento do Estado americano, dos capitais e do povo daquela nação. Nasce também de uma exigência coletiva mundial. A dificuldade de sustentar o dólar, no caso de uma dívida excessiva, talvez tenha que passar por uma solução divina, aquela invocada no dinheiro americano. We trust in God, tal é o encalhamento crítico dos bancos de Tio Sam nas profundezas dos ativos tóxicos. Sim, porque até agora nenhuma idéia de política econômica conseguiu sequer resolver o credit crunch entre os bancos. De onde se conclui que de fato o crédito se tornou uma mercadoria em escassez. O velho Keynes continua maltratando: preferência pela liquidez. Já que a nacionalização e a estatização são ideologicamente quase impossíveis no neoliberalismo, talvez só mesmo Deus poderia mesmo resolver a questão. Mas, enquanto ele não desce ao terreno dos mortais, os nossos financistas trabalham pensando o mesmo: tudo será resolvido se o sistema financeiro continuar sendo desregulado.

Naturalmente, que este é um desejo bem ao gosto das Finanças. Mas, o próprio Gordon Brown diz que as coisas não voltarão ao que eram antes. Logo, se as Finanças se mantiverem no delírio de um apetite de risco interminável, são os dirigentes estatais que tem que solucionar a confusão na área. Mas, o problema é que eles pensam apenas um pouquinho adiante dos bancos. Vejamos, Bernanke, o presidente do FED, o que ele diz. Já anunciou, faz algum tempo, que talvez tenha que pôr mais em jogo 1 trilhão para pescar hipotecas desqualificadas e mais um tri para diversos problemas do sistema. Isso significa que o FED, que tinha 900 bi de capital no início da crise, para dar um novo passo visando resolver a problemática, pode chegar a 4 tri. É isso aí mesmo: estou achando que o Gordon Brown tem razão em falar sobre o aperto fiscal. Mas, Bernanke também, porque para salvar as finanças tem que pôr mais dinheiro. Mas, não terão razão os chineses no seu temor que os americanos possam não sustentar o dólar? E não terão razão também aquêles que acham que a nacionalização, para os mais tímidos, e a estatização, para os mais exagerados, são as únicas e verdadeiras soluções possíveis?

(Ah! o velho fantasma do socialismo impede aos americanos e aos financistas de pensarem nestas hipóteses. Como vêem, os reflexivos leitores, há muitos fantasmas nesta história: Hamlet, Churchill e o socialismo,)


Por andam nossas economias?

Mais do que ninguém, Gordon Brown sabe que não existirá um avanço na globalização sem uma reforma da estrutura na articulação das economias vigentes. Porque, quando diz que o mundo não será como antes, está chamando a atenção para uma alteração indispensável. Exatamente por não querer que as economias contemporâneas sejam como o personagem de Kafka, Gregor Samsa de “A Metamofose”, que de homem virou inseto, ele aspira que haja um adequado “balanceamento” entre as economias ricas e as economias emergentes. Gordon Brown sabe que este mundo terá que se transformar, terá que mudar muito e profundamente. E que vai levar tempo. E que no fundo, quando pensa sobre isso, volta ao seu primeiro ponto, a necessidade básica de uma coordenação. Porque há tanta coisa a resolver: uma nova articulação Estados Unidos e China, um novo sistema financeiro, uma nova estrutura produtiva, uma nova estrutura energética, uma nova divisão internacional do trabalho, etc., que seria preciso um planejamento adequado para que esses elementos se conectassem. Agora estamos dando os nomes às coisas, já que o nome técnico para coordenação é sem dúvida planejamento.

Ou seja, a gastronomia econômica precisa de uma transformação radical. Novos pratos, novas combinações, novas mesas, novas toalhas, novos enfeites na organização do restaurante mundial. É por isso que Gordon Brown está dizendo que nada vai ficar como antes. Vamos ter que cuidar dessa arquitetura tanto quanto antes, e o G-20, a começar no dia 24 de setembro, é um instrumento adequado para tal. Mas, a palavra de Gordon Brown não é mais aquela palavra do Leão Inglês, e nem o planejamento é uma coisa que o capitalismo neoliberal aceitaria. Todavia, mesmo como chefe de uma economia subsidiária à americana, ele sabe para onde vão os ventos, seja porque há uma aliança Wall Street/London, seja porque a sua economia inglesa está a perigo. Mas, Gordon Brown sabe evidentemente que o Leão já não ruge mais como há muito tempo, sabe apenas que agora ele assopra para aliviar a queimadura, para ajudar a evitar que o mundo do capital caia numa profunda depressão. Cabe então refletir sobre este sussurro britânico, sobre esta voz que alerta para as toxinas da economia vigente. Pittsburgh vai ser o lugar das falas e haverá um tempo para uma discussão e para a negociação. Mas, como sempre emergem perguntas. A primeira é fatal: os capitais e os Estados ouvirão o que vai ser dito? E logo em seguida, vem uma segunda: já não estamos nos tempos de Hobbes, onde ocorre a luta de todos contra todos?